Por Victória Cirino
Com o objetivo de mapear a saúde mental do escolar brasileiro e avaliar as condições que fazem com que ele consiga receber atendimento, Cristiane Silvestre de Paula e Jair Mari, pesquisadores do INPD, coordenam um estudo em cidades de quatro regiões brasileiras: Rio Preto da Eva (AM), Caeté (MG), Goianira (GO) e Itaitinga (CE). Esse projeto também visa entender quais são as variáveis envolvidas no encaminhamento de crianças e adolescentes para acompanhamento em saúde mental. Silvestre explica, por exemplo, que a repetência escolar faz com que as crianças sejam atendidas muitas vezes sem a devida necessidade, enquanto apenas 1 em cada 5 escolares que precisam de auxílio o recebem no Brasil, de acordo com as estimativas do estudo. A pesquisa é pioneira no país, pois é o primeiro estudo multicêntrico do Brasil com foco na saúde mental infantil.
Foram analisados cerca de 1.700 indivíduos em idade escolar. Além da avaliação psiquiátrica, foram analisados diversos fatores de risco e de proteção envolvidos na saúde mental, como pobreza, repetência escolar, problemas de saúde mental na família, etc. As quatro cidades envolvidas foram escolhidas por serem homogêneas, com IDH (índice de desenvolvimento humano) e tamanho populacional (30 mil habitantes) semelhantes. O perfil das cidades é distinto (Gioanira é uma cidade urbanizada, ao passo que Rio Preto da Eva é uma comunidade ribeirinha), mas cidades semelhantes poderão se beneficiar dos achados dessa pesquisa. Já existem estudos populacionais realizados nos estados do sul do país, razão pela qual os pesquisadores optaram por investigar regiões ainda não estudadas.
O estudo comprovou que crianças que moram em cidades com sistema de saúde mental mais organizado recebem mais assistência, o que evidencia a necessidade de existir um sistema de saúde mental voltado especificamente para essa população. A oferta de vagas, entretanto, deve ser acompanhada por uma melhor capacitação dos profissionais envolvidos, pois a pesquisa mostra que vagas estão sendo ocupadas por pessoas que não precisam do atendimento.
O projeto produziu um artigo que discute os fatores associados aos transtornos de ansiedade, cujos dados apontam para uma relação entre transtornos crônicos do desenvolvimento físico e ansiedade. Além disso, complicadores biológicos e mães com problemas de saúde mental também foram apontados como fatores de risco para o desenvolvimento de transtornos de ansiedade.
Dados preliminares do Estudo Epidemiológico sobre a Saúde Mental do Escolar Brasileiro foram apresentados no Congresso da IACAPAP (International Association for Child and Adolescente Psychiatry and Allied Professions) em 2012, por Cristiane Silvestre de Paula. De acordo com a pesquisa, a prevalência de transtornos psiquiátricos é alta. Além disso, o estudo também concluiu que há uma alta frequência de fatores de risco para o comprometimento da saúde mental, tais como exposição à agressão física e dificuldades no processo de aprendizagem. Outro resultado importante mostrou que a maioria das crianças e adolescentes com transtornos psiquiátricos não recebeu qualquer tipo de assistência nos últimos 12 meses, sendo que os poucos que receberam foram tratados por psicólogos, pois esse profissional encontra-se mais disponível nos serviços de saúde pública brasileiros.
O estudo também busca determinar os fatores de proteção aos chamados transtornos de conduta, como a importância de uma moradia acolhedora e da supervisão materna. Esses fatores influenciariam de maneira positiva na prevenção aos transtornos de conduta, que podem se manifestar em atitudes como problemas em lidar com regras sociais, agressividade, etc. “Buscamos encontrar fatores que podem ser alterados caso se faça intervenções que mudem o ambiente familiar”, explica Silvestre.
Os pesquisadores preparam mais quatro artigos, que estão em fase final de análise. Duas alunas atuam exclusivamente neste projeto: Patrícia Manzolli, aluna de pós-doutorado pela Unifesp, e Isabela Fortes, aluna de mestrado pela USP. Marcos Mercadante participou do projeto como antigo coordenador. Também fizeram parte do estudo as pesquisadoras Isabel Bordin e Rosane Lowenthal.