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Conferência levanta discussões sobre estudo longitudinal em psiquiatria

Conferência levanta discussões sobre estudo longitudinal em psiquiatria 150 150 INPD Cism

Por Victória Cirino

Imagens: João Miguel Neves Filho e Victória Cirino

Os professores Avshalom Caspi e Terrie Moffitt realizaram hoje (13) uma conferência aberta a todos os interessados, como parte de sua visita ao Instituto de Psiquiatria (HC-FMUSP). A apresentação foi transmitida ao vivo também para alunos e professores da Psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O pesquisador do INPD Guilherme Polanczyk realizou seu pós-doutorado com a dupla de psicólogos.

Moffitt iniciou sua fala apresentando a Coorte de Dunedin, um grupo de 961 pessoas (inicialmente de 1.037 crianças) que é acompanhado pelos pesquisadores desde 1975, quando os sujeitos, nascidos entre 1972 e 1973, ainda eram crianças. O estudo a princípio não foi iniciado com a intenção de se tornar um estudo longitudinal, mas aos poucos a alta aderência à pesquisa pelos participantes permitiu que o acompanhamento se estendesse ao longo dos anos.

As entrevistas feitas com os sujeitos ocorriam no início a cada dois anos, sendo que, com o passar do tempo, esse intervalo foi se tornando mais prolongado. Moffitt explica que a intenção do acompanhamento não era realizar intervenções quanto à saúde dos pacientes (a não ser que eles relatassem algum fator que pudesse colocar a sua vida em risco), e sim colher dados sobre sua saúde, compreendida da maneira mais ampla possível. Uma equipe multidisciplinar colhia informações que tinham por objetivo tanto  analisar a saúde mental dos colaboradores quanto outros aspectos de seu bem-estar: eram realizados desde exames de saúde (dentais, reprodutivos, cardiovasculares, respiratórios, etc.) até perguntas relativas à vida pessoal dos sujeitos (aspectos da vida financeira, trabalhista, familiar, etc.), pois os dados eram utilizados para diversas investigações.

Professor Caspi, da Duke University (EUA) e do King

Um dos interessantes achados da pesquisa foi a comparação das informações fornecidas pela Coorte com aquelas obtidas por meio de questionários com outras 200 pessoas da cidade de Dunedin que não foram acompanhadas pelo estudo. Apesar de não existirem diferenças em alguns aspectos (como índices de obesidade), foi observado que os sujeitos acompanhados pelos pesquisadores tendiam a relatar mais episódios de violência doméstica, de uso de substâncias ilegais, de comportamentos ilegais ou criminosos e de comportamentos sexuais perigosos. Isso mostra que o acompanhamento longitudinal estimula os colaboradores a não omitirem em seu relato dados clinicamente significativos.

Moffitt também chamou a atenção para o fato de que a expectativa de vida da população tende a aumentar daqui a alguns anos, mas que esse aumento da longevidade não é acompanhado por uma diminuição da idade de início para algumas limitações trazidas pela idade. Ela argumenta que a prevenção é o melhor caminho para adiar o início dos problemas de saúde associados com a idade.

A prevenção também visa promover a saúde mental, uma vez que transtornos mentais são mais comuns do que se imagina: de acordo com ela, a prevalência deles é duas vezes mais alta do que foi estimado anteriormente.

Professora Terrie Moffitt, que falou sobre a Coorte de Dunedin, estudo que já dura mais de 30 anos

Moffitt estuda especificamente a questão do comportamento anti-social e criminal. Seus estudos apontam para uma alta importância do histórico familiar na prevenção do prognóstico de meninos que apresentam comportamentos agressivos. Entre os 15 e os 20 anos, aparecem as primeiras evidências de transtorno de conduta e as primeiras detenções juvenis, mas desde a infância é possível observar certas atitudes consideradas inadequadas. As pesquisas pretendem entender como é possível separar aqueles que desenvolverão um transtorno de conduta na vida adulta daqueles que terão um desenvolvimento tradicional.

Caspi finalizou a apresentação do dia falando sobre a relação estabelecida em seus estudos sobre o uso prolongado da cannabis (maconha) com a diminuição do quoeficiente de inteligência (QI). Aqueles que usaram maconha na vida mas nunca haviam sido diagnosticados como dependentes da droga representavam 55% da amostra e haviam tido um declínio da nota do QI de 0.07; as pessoas que receberam o diagnóstico de dependência em três momentos da vida ou mais, por sua vez, apresentaram um declínio de 0.38. O dado mais interessante da pesquisa, no entanto, diz respeito à descoberta de que o uso da droga na adolescência traz mais danos a longo prazo quando comparado com sujeitos que iniciaram o consumo na vida adulta.

Novas ferramentas para a epidemiologia psiquiátrica também foram temas da fala de Caspi. O exemplo citado por ele foi a técnica de imagem de retina para a identificação de anormalidades microvasculares que podem estar associadas com esquizofrenia. Além disso, do ponto de vista preventivo, a apresentação de sintomas psicóticos na infância está associada ao desenvolvimento de esquizofrenia na idade adulta. Dessa forma, a identificação precoce de alterações cardiovasculares relacionada à sintomatologia apresentada pode servir como base para a prevenção da esquizofrenia.

Moffitt e Caspi participarão da Conferência USP, que acontece nos dias 14 e 15 de março, no Teatro da Faculdade de Medicina, localizada no campus de Pinheiros da Universidade de São Paulo.