Por Victória Cirino
Publicado online no Journal of Child Psychology and Psychiatry, o artigo “Optimal outcome in individuals with a history of autism”(1) chamou a atenção do New York Times(2), um dos jornais mais lidos no mundo, que publicou em janeiro deste ano um artigo com um título: “Algumas pessoas com diagnóstico de autismo podem se recuperar, de acordo com estudo”.
Helena Brentani, pesquisadora do INPD, explica o ceticismo da comunidade científica frente a essa afirmação. A professora doutora do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP esclarece que o diagnóstico é estável ao longo da vida do indivíduo, uma vez que ele seja fechado por meio de um instrumento padrão-ouro após os 3 anos de idade. “A primeira questão importante é discutir como e quando foi feito o diagnóstico dessas crianças. A segunda questão é se houve acompanhamento delas ao longo do tempo, porque não dá para comparar a criança que recebeu acompanhamento terapêutico adequado com a criança que não recebeu”, afirma a pesquisadora.
Ela destaca que existem muitas evidências científicas que mostram que uma intervenção precoce tende a beneficiar o quadro que a crianca vai desenvolver, mas que é preciso cautela ao afirmar que o diagnóstico pode ser revertido. Ela ressalta que os dois instrumentos diagnósticos de maior relevância atual (o ADOS, Autism Diagnostic Observation Schedule, e o ADI-R, Autism Diagnostic Interview, Revised) são instrumentos longos, de difícil aplicação, que exigem treinamento especializado. O ADI-R foi traduzido para o português brasileiro(3), mas ainda não existe número suficiente de pessoas para aplicá-lo, nem pessoas que possam capacitar aplicadores para esse fim. Por conta da falta de acesso a instrumentos de diagnóstico padronizados, é difícil falar sobre a prevalência de autismo no Brasil, mas Brentani cita um artigo publicado no Journal of Autism and Developmental Disorders(4) que busca mapear a prevalência deste transtorno na cidade de Atibaia.
Apesar das diversas pesquisas na área de instrumentos de diagnóstico e escalas de screening, ainda é difícil falar sobre o assunto, pois não existe um marcador biológico definido, uma vez que o diagnóstico é clínico. “A escala pode fornecer um resultado ou melhor score que fique no limite entre transtorno e não-transtorno”, esclarece a professora sobre um problema que vêm sendo amplamente discutido: o critério de diagnóstico categorial e não dimensional. Nesses casos, muitas vezes a solução é sugerir uma intervenção de cunho terapêutico, a fim de acompanhar a resposta da criança à intervenção e a evolução do quadro. Por exemplo, uma criança que apresenta-se com sintomas autísticos pode ter uma apenas alteração de linguagem, o que mostra que nem sempre uma criança que “perde” o diagnóstico foi diagnosticada corretamente.
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Atualmente, Helena Brentani desenvolve duas pesquisas relacionadas ao INPD. Uma delas deve ter sua primeira fase concluída ainda este ano e diz respeito à coleta de sangue do cordão umbilical de recém-nascidos, a fim de cruzar informações sobre a metilação genômica das amostras com dados sobre possíveis estressores gestacionais, colhidos por meio de questionários. A partir de então, as crianças serão acompanhadas até os 3 anos de idade, para que os pesquisadores acompanhem seu desenvolvimento e busquem hipóteses que associem o comportamento delas aos dados obtidos por meio dos exames iniciais.
Um segundo estudo pretende analisar partes do DNA de pacientes com autismo atendidos no ambulatório do Instituto de Psiquiatria e de seus pais, com o objetivo de achar alterações específicas que possam ajudar os pesquisadores a entenderem o componente genético do quadro. Os pacientes são comparados sempre com seus pais, uma vez que, segundo Brentani, diferentes famílias apresentam diferentes alterações genéticas que resultam em um quadro psiquiátrico semelhante. Uma melhor compreensão sobre as origens do autismo pode auxiliar profissionais da saúde no futuro a entenderem melhor o transtorno e seu desenvolvimento.
(1) http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/jcpp.12037/full
(2) http://www.nytimes.com/2013/01/17/health/some-with-autism-diagnosis-can-recover-study-finds.html?_r=1&
(3) http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-282X2012000300006
(4) http://link.springer.com/article/10.1007/s10803-011-1200-6