Por Victória Cirino
Em fevereiro deste ano, foi publicado na revista PLOS ONE um artigo com a participação de pesquisadores do INPD (Cristiane S. Paula, Isabel A. S. Bordin, Jair Jesus Mari e Luis A Rohde) em parceria com pesquisadores da Fiocruz-RJ (Evandro S Coutinho, Luciane Velasque). O artigo é oriundo do Projeto 1 e buscou mapear o uso da rede de saúde mental por crianças e adolescentes, uma vez que há, do ponto de vista global, uma lacuna entre a demanda por esses serviços e o uso efetivo por parte dos usuários. O artigo tem acesso livre por meio do link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3928169/
O estudo fez um mapeamento em quatro regiões geoeconômicas do Brasil, com o intuito de compreender quais são as barreiras que afastam crianças e adolescentes dos serviços de saúde mental no país. A investigação em diferentes regiões demográficas é inédita e essencial para o mapeamento do uso da rede de saúde no país, pois há grande diferença de indicadores sociais entre estados do norte e do sul.
Mais de 1.700 crianças entre 6 e 16 anos participaram do estudo, provenientes de escolas públicas de quatro municípios pertencentes a regiões distintas do país. Foram aplicados questionários e escalas nos participantes a fim de definir quais crianças e adolescentes apresentavam transtornos psiquiátricos e, portanto, que deveriam receber assistência por profissionais de saúde mental. O uso de serviços de saúde mental referiu-se ao atendimento de um psiquiatra, psicólogo e/ou neurologista nos últimos 12 meses.
A prevalência de transtornos psiquiátricos de qualquer espécie foi de 13,1% do total da amostra. Somente 19,8% daqueles que apresentaram algum tipo de transtorno psiquiátrico foram atendidos por um dos profissionais citados acima nos últimos 12 meses.
O menor uso dos serviços de saúde mental esteve associado com alguns fatores importantes. Por exemplo, sujeitos do gênero feminino frequentaram menos esses serviços do que os do gênero masculino. Além disso, crianças e adolescentes com desempenho escolar satisfatório também fazem menos uso dos serviços de saúde mental. Por fim, crianças moradoras de regiões mais carentes, filhas de mães/responsáveis que vivem com parceiros e provenientes de famílias com renda baixa também apresentaram menor uso dos serviços de saúde mental. Esse resultado serve de alerta por indicar que, além do baixo acesso ao tratamento da amostra total, certos grupos de crianças e adolescentes que necessitam de atendimento tem acesso ainda menor a assistência especializada.
Um outro dado interessante encontrado na pesquisa é o fato de que 84,9% dos participantes que fizeram uso dos serviços de saúde mental terem sido atendidos por psicólogos. Esse dado reflete a falta de médicos no sistema de saúde brasileiro, principalmente de psiquiatras especializados na infância e na adolescência: há um psiquiatra para cada 75 unidades básica de saúde no país, ao passo que há um psicólogo para cada 7 unidades. Sabe-se também que além do número reduzido, a distribuição de psiquiatras é extremamente irregular, sendo concentrada nas grandes cidades brasileiras.
Esse dado reflete bem o panorama nacional no qual há pouco financiamento destinado a serviços de saúde mental, principalmente àqueles especializados na infância e na adolescência, assim como há uma distribuição irregular de verba segundo diferentes regiões brasileiras.
Espera-se que os resultados dessa pesquisa contribuam para políticas públicas mais eficazes no campo da saúde mental da infância e adolescência, com propostas que ajudem por exemplo a diminuir o estima dos usuários, associadas a um maior treinamento de profissionais da saúde e educação. O fato de que alunos com melhor rendimento escolar serem menos encaminhados aos serviços de saúde mental indica que professores desempenham um papel fundamental na identificação dos sintomas, o que fortalece o argumento a favor de um maior treinamento de educadores.
O artigo constitui um dos primeiros passos dados para a compreensão das lacunas no acesso de crianças e adolescentes a serviços de saúde mental no Brasil. A partir de estudos como este, é possível desenvolver estratégias para melhorar o quadro da saúde mental brasileira, uma vez que as intervenções em saúde mental realizadas durante a infância e a adolescência estão relacionadas com uma melhor qualidade de vida posterior.