Com mais de uma década de dedicação a pesquisas, Coorte Brasileira de Alto Risco para Transtornos Mentais acumula 157 publicações em periódicos científicos
Imagina recrutar 10 mil crianças e adolescentes em escolas públicas, nas cidades de São Paulo e Porto Alegre, e acompanhar 2.500 deles por quase uma década e meia, juntamente com seus pais e filhos nascidos anos depois. É exatamente isso que a Brazilian High-Risk Cohort (BHRC), ou Coorte Brasileira de Alto Risco, faz para responder à seguinte pergunta: Como se originam e quais são os fatores para os transtornos mentais?
Desde 2010, o longo estudo vem produzindo descobertas científicas de impacto mundial que devem mudar o campo da pesquisa, estabelecendo novos parâmetros referenciais sobre o desenvolvimento típico do cérebro. É o que explica uma das principais pesquisadoras da equipe, a professora Sintia Belangero, coordenadora da área de Genética e do Biorrepositório da coorte, e associada à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
“A BHRC é uma coorte de grande visibilidade e inserção internacional. Um fato que comprova isso é que ela já foi citada pela revista Nature Communications, em 2018, como uma das seis coortes mais importantes do mundo para se estudar neurodesenvolvimento (desenvolvimento do cérebro), além do fato de compor os maiores e mais importantes consórcios mundiais tais como Enigma, PGC, Happy Mums, entre outros”, explica Sintia.
Em 2023, com a criação do Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM), o grupo de estudo se uniu aos projetos, pesquisadores e recursos do centro.
O impacto das investigações e produção da equipe pode ser medido a partir de sua “cientometria” – ciência que estuda a mensuração e quantificação do progresso científico, baseando-se em indicadores bibliométricos, ou seja, quantidade de publicações.
A cientometria, ou simplesmente “produção científica”, da BHRC aponta um total de 157 publicações resultantes das investigações de seus pesquisadores. Segundo explica Sintia, esse é um forte indicativo de produtividade, progresso e disseminação dos conhecimentos alcançados pelo grupo. “Reflete a importância de nossa coorte e de nossos pesquisadores e instituições para a área”, destaca a Doutora em Genética Humana.
Além das publicações, o levantamento da produção científica da coorte indica que os artigos publicados foram citados mais de 2 mil vezes. Tendo em vista que o número de citações de um artigo representa o alcance e a relevância de um estudo, esse dado demonstra que as investigações e descobertas do grupo estão dando sustentação ou servindo de base a novos trabalhos científicos e até sendo utilizados para comparação.
Ranking
Entre as 157 publicações do grupo, o artigo que acumula o maior número de citações – 468 – é o “Brain charts for the human lifespan” [Gráficos cerebrais para a vida humana], publicado em abril de 2022 pela Nature. Sintia detalha que esse estudo compilou dados de mais de 100 mil exames de neuroimagem em todo o mundo, incluindo da BHRC para determinar curvas normais de desenvolvimento estrutural do cérebro.
Já em segundo lugar no ranking da cientometria da coorte aparece o artigo “A general psychopathology factor (P factor) in children: Structural model analysis and external validation through familial risk and child global executive function”, ou “Um fator de psicopatologia geral (fator P) em crianças: Análise de modelo estrutural e validação externa através de risco familiar e função executiva global infantil”, em tradução ao português.
Publicado em 2016 no Journal of Psychopathology and Clinical Science, da American Psychological Association (APA), o artigo soma 181 citações em publicações. O estudo utilizou os dados da BHRC para testar uma série de modelos de psicopatologia – sintomas comportamentais e/ou psiquiátricos – em pais e filhos que compõem a coorte.
“De modo geral, esse estudo dá evidência de que a psicopatologia dos filhos está associada à dos pais e é um bom fator para medir sintomas psiquiátricos em geral”, detalha Sintia. “Esse modelo vem sendo amplamente utilizado não só pelos artigos científicos da nossa própria coorte, como também em muitos outros estudos do mundo, vide o número de citações que esse artigo possui”, acrescenta a professora sobre a relevância do estudo.
Do ano passado até o momento, o grupo já publicou 21 artigos, sendo sete neste ano. As publicações geraram 74 citações – 58 ao longo de 2024. A média, desses últimos dois anos, é de 3,52 citações por artigo. Além desse tipo de publicação, os 157 registros da cientometria da BHRC incluem material editorial, paper de dados, revisões, entre outras.
Os temas mais abordados pelas publicações incluem a área da psiquiatria em primeiro lugar, seguida pela neurociência, psicologia do desenvolvimento e pediatria.
Impacto na sociedade
Apenas metade dos achados e intervenções efetivas da Medicina se traduz para a prática clínica, levando em média 20 anos para que aconteça. Diante dessa realidade, um dos principais focos do CISM é compreender as barreiras e facilitadores desta “tradução” para diminuir a lacuna entre a descoberta científica e a aplicação nos consultórios.
Ao se unir ao CISM, a BHRC ampliou as oportunidades de transmissão dos resultados provenientes de suas pesquisas científicas para o mercado e a sociedade em geral. Sintia enfatiza que a “transferência de tecnologia”, ou seja, a cultura de repasse dos resultados das pesquisas científicas à comunidade, é parte dos objetivos da coorte.
“Nossos projetos de pesquisa beneficiam a sociedade e os próprios sujeitos de pesquisa”, conta a doutora, citando geração de produtos, programas de inovação por meio de parcerias com empresas e cooperação com órgãos públicos e governamentais e startups associadas como formas para transferir os conhecimentos e tecnologias à sociedade.
“Todas as universidades e membros desse projeto têm acesso ao setor público e ao governo. Em nosso plano de ação também promovemos canais de comunicação com a sociedade e com o público leigo”, comenta a professora sobre as divulgações feitas pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e assessorias da Unifesp, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do CISM, que são parceiros.
Fazendo Ciência
Diante de um cenário nacional em que “fazer ciência” é um grande desafio, visto limitações orçamentárias, financiamento público muitas vezes escasso e investimento baixo, o CISM, incluindo a BHRC, aposta em uma abordagem multidisciplinar, conectando psiquiatria, psicologia, genética, estudos de imagem cerebral, tecnologia e inovação.
Esta visão do centro de pesquisa, que é apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Banco Industrial do Brasil (BIB), possibilita mais infraestrutura e melhor qualidade para os projetos científicos.
Outro desafio apontado por Sintia está relacionado aos processos éticos para aprovação das pesquisas, especialmente as que envolvem seres humanos. A professora explica que eles podem ser morosos e complicados, além da parte administrativa, que costumam ser burocrática. O CISM conta com uma equipe dedicada à gestão ética de seus projetos, bem como ao monitoramento de segurança de todas as suas pesquisas.
“A BHRC e o CISM representam um grande avanço e uma ótima oportunidade de desenvolver ciência de alta qualidade em um país de baixa-média renda, ao mesmo tempo em que procuram abordar as questões e a tradução das descobertas científicas em melhorias reais e efetivas na vida das pessoas. Ambos terão um impacto duradouro na ciência nacional e mundial na área de saúde mental”, fala a doutora com otimismo.
Pesquisadores que hoje coordenam o CISM, como os psiquiatras Euripedes Constantino Miguel e Luis Augusto Rohde, trabalham em conjunto com integrantes da coorte há mais de 14 anos. Além deles, outros cientistas citados em artigos do grupo, como Pedro Mario Pan, Maurício Scopel Hoffmann, Jair de Jesus Mari e Giovanni Abrahão Salum, também fazem parte do Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental.
Sobre o crescimento da produção da BHRC nos últimos anos, a professora Sintia lembra que são necessários alguns anos para aparecer bons resultados e frutos em uma pesquisa. “Toda a estruturação de um projeto de pesquisa desse porte, logística e coleta de dados extremamente complexas leva bastante tempo para originar frutos robustos”, conta, destacando ainda o amadurecimento científico, entrosamento e aumento da equipe.
Protagonismo internacional
Além do trabalho da coorte alcançar destaque internacional com publicações nos periódicos científicos mais importantes do planeta, a pesquisadora ressalta o protagonismo “além fronteiras” da BHRC com a participação de seus cientistas em grandes grupos de pesquisa internacionais, colaborando intelectualmente com a pesquisa mundial.
Muitos dos colaboradores do grupo estão concentrados não só no Brasil, mas também em outros países, como Estados Unidos, Inglaterra e Canadá. Além disso, os dados coletados nas investigações científicas são, constantemente, apresentados em diversos congressos internacionais, como o “World Congress of Psychiatric Genetics (WCPG)”, “Annual Scientific Convention and Meeting of the Society of Biological Psychiatry” e “Biennial Conference of the Schizophrenia International Research Society Sirs”.
Neste mês, Marcos Santoro, pesquisador da coorte, ministrou uma palestra no Congresso WCPG 2024, em Singapura, apresentando dados da BHRC. No evento, Santoro também compôs a mesa em um simpósio sobre diversidade em genética psiquiátrica, como um dos dois representantes da América Latina, ao lado de cientistas africanos e asiáticos.
A Coorte Brasileira de Alto Risco
A professora Sintia explica que o objetivo principal da Coorte Brasileira de Alto Risco para Transtornos Mentais é compreender como ocorre o neurodesenvolvimento, seja ele normal ou anormal, e entender, por exemplo, porque algumas crianças e jovens têm dificuldades para lidar com emoções, apresentam problemas de comportamento, escolares ou sociais, ou até mesmo porque alguns têm delírios e alucinações na vida adulta.
Para isso, a equipe estuda aspectos psicológicos, biológicos – como o DNA – e o ambiente social, escolar e doméstico desses jovens. “Temos entrado em contato com esses jovens a cada três ou quatro anos para saber como as coisas estão e que eventos de vida podem ter ocorrido neste período”, detalha a pesquisadora de genética e professora.
O estudo criou um banco de dados com centenas de milhares de variáveis para análise e desenvolvimento de perguntas de pesquisa em saúde mental, incluindo genética e estrutura cerebral. Entre outras descobertas, a longa pesquisa proporcionará insights mais profundos e, até então, inalcançáveis sobre as origens dos transtornos mentais.
No CISM, o projeto recebeu o nome de “Conexão Mentes do Futuro”, inserindo-se no Módulo I do centro de pesquisa e segue avançando. Saiba mais clicando neste link.
25 de outubro de 2024
Mainary Nascimento, Institucional CISM