Por Victória Cirino
Publicado em abril deste ano na revista Psychological Medicine, da Universidade de Cambridge, o artigo “Specificity of basic information processing and inhibitory control in attention deficit hyperactivity disorder” foi originado de um dos projetos desenvolvidos pelo INPD, a ‘Coorte de Alto Risco para Transtornos Psiquiátricos na Infância e Adolescência’. Giovanni Salum, autor do paper, realizou seu doutorado dentro do projeto e agora baseia seu pós-doutorado nos achados da pesquisa, que envolveu no total mais de 2.500 indivíduos nas cidades de São Paulo e Porto Alegre.
O artigo discute a associação do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) a dificuldades no processamento básico de informações, que comprometeriam secundariamente a função inibitória do funcionamento executivo. Segundo o autor, algumas teorias influentes conceituavam o TDAH como sendo essencialmente uma condição associada a problemas no controle inibitório, que é uma função executiva complexa. No entanto, os autores deste artigo demonstraram que sujeitos diagnosticados com TDAH cometem erros em tarefas muito simples, que apresentam pouco componente executivo. O artigo mostra que os déficits no controle inibitório podem ser totalmente explicados pelos déficits no processamento básico de informações, que é um processo primário, do qual as funções executivas dependem. Além de identificar que este processo era importante para o TDAH, os pesquisadores mostraram que esses deficits eram específicos e não encontrados em crianças com outros transtornos psiquiátricos (como depressão, transtorno de ansiedade generalizada, transtornos fóbicos, ansiedade de separação, etc.).
O experimento consistia na apresentação de flechas em uma tela de computador para as crianças. O experimento tinha 2 partes. Na primeira, um total de 100 setas verdes eram apresentadas para as crianças, que deveriam sinalizar para qual direção a seta apontava, pressionando uma tecla indicada. Na segunda parte, eram mostradas flechas verdes e vermelhas, sendo que as crianças foram instruídas a sinalizar a direção oposta quando as flechas fossem vermelhas (ou seja, os sujeitos deveriam inibir o impulso inicial de apontar para a mesma direção da flecha quando percebessem que ela é de outra cor).
O controle inibitório (função executiva complexa) estaria envolvido neste experimento, pois ele é definido pela capacidade do sujeito de inibir uma tendência muito forte para realizar uma ação (segunda parte do experimento). O estudo revelou, no entanto, que o comprometimento dessa função está ligado a um prejuízo em funções com pouco envolvimento de componentes executivos (primeira parte do experimento). Uma análise complexa, conhecida como ‘modelo de difusão’, fui utilizada neste artigo. Essa análise é capaz de separar diferentes etapas do processamento básico de informações. Por meio dessa análise, foi possível observar a habilidade do participante de executar decisões básicas com base em suas percepções, uma vez que o TDAH está relacionado a um processamento de informação básico deficitário (que inclui codificação de estímulos, extrair informação de um estímulo para tomar uma decisão, organização da resposta motora baseada na decisão e aspectos estratégicos da resposta, como um estilo mais cauteloso ou impulsivo de agir). Os sujeitos com TDAH tem primariamente uma dificuldade de extrair informação de um estímulo para tomar decisões simples.
Um outro objetivo do estudo era determinar se o Transtorno Opositor Desafiante/Transtorno de Conduta (TOD/TC) como co-morbidade do TDAH representa uma entidade clínica distinta ou tinha apenas efeitos aditivos sobre o processamento básico de informações. Ao final da análise dos dados, foi concluído que o diagnóstico de TOD/TC tem apenas efeitos aditivos sobre os sintomas do TDAH, não constituindo, portanto, uma entidade clínica distinta.
O resumo do artigo pode ser encontrado neste link: http://journals.cambridge.org/action/displayAbstract?fromPage=online&aid=8879154
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Salum já havia publicado outro artigo na versão online da revista Psychological Medicine em julho de 2012. O estudo “Threat bias in attention orienting: evidence of specificity in a large community-based study” também foi publicado neste mês na versão impressa da revista e fala sobre orientação da atenção para estímulos ameaçadores e recompensadores no ambiente.
O estudo se baseia em evidências científicas que apontam para o fato de que indivíduos com transtornos de ansiedade tendem a ter um limiar diminuído para direcionar a atenção para ameaças e possuem dificuldade de desfocar a atenção desses estímulos depois que ela foi capturada por eles. Isso significa que sua atenção possui um “viés” voltado para a estimulação aversiva e ameaçadora em detrimento de estímulos neutros ou agradáveis do ambiente, o que não ocorreria com sujeitos não-ansiosos.
Há evidências que apontam para a conclusão de que essa orientação da atenção seja um mecanismo importante para os transtornos de ansiedade, que parece ser diferente para crianças com transtornos fóbicos (que tendem a evitar os estímulos ameaçadores) e para crianças com ansiedade generalizada ou depressão (os chamados transtornos do afeto negativo), que tendem a focar a atenção nos estímulos ameaçadores.
Para avaliar essa hipótese, o estudo mostrou imagens de rostos neutros, felizes e com raiva, para avaliar se os “vieses” na atenção relacionados a ameaças e a recompensas estariam associados também a sintomas emocionais (que se referem a sintomas de ansiedade e depressão) na infância. Os rostos dos atores sempre apareciam em pares: eram apresentados sempre rostos neutros ao lado dos rostos ameaçadores ou reforçadores. Após a apresentação de cada par de rostos, em um dos lados da tela surgia um asterisco: as crianças que participaram deste estudo (provenientes da mesma coorte de mais de 2.500 sujeitos) foram instruídas a sinalizar em qual lado da tela estava esse asterisco por meio da pressão a uma tecla.
A pesquisa concluiu que a associação entre sintomas internalizantes (ou emocionais) variam de acordo com a natureza e a gravidade da psicopatologia da criança. Além disso, esses fatores também determinam o quanto sua atenção será mais ou menos voltada para estímulos ameaçadores. A combinação de alto incômodo emocional e transtorno fóbico, por exemplo, está associada a um viés da atenção que se afasta dos estímulos ameaçadores. Novas estratégias de intervenção pode emergir por meio do treinamento atencional, que é capaz de eliminar esses “vieses” e melhorar os sintomas de ansiedade. Este estudo sugere que talvez crianças com transtornos mais graves, com transtorno de ansiedade generalizada ou depressão podem se beneficiar mais dessas estratégias, enquanto que para crianças com transtornos fóbicos ela pode não ser uma boa opção. Os autores estão conduzindo agora um ensaio clínico para testar essas hipóteses.
O resumo do artigo pode ser encontrado neste link: http://journals.cambridge.org/action/displayAbstract?fromPage=online&aid=8857849