Relatos de memória apontados pelos pacientes estão mais ligados a depressão, ansiedade e estresse pós-traumático do que a comprometimento da capacidade cerebral
Um estudo, conduzido por pesquisadores brasileiros e estrangeiros, descobriu que queixas subjetivas de memória em pessoas que tiveram Covid-19 estão mais ligadas a sintomas de transtornos psiquiátricos, como depressão, ansiedade e estresse pós-traumático, que a comprometimento cognitivo. A investigação teve seus resultados publicados no periódico “Translational Psychiatry”, no dia 26 de outubro do ano passado.
A pesquisa, feita por cientistas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e da School of Medicine and Health Sciences, nos Estados Unidos, avaliou 608 sobreviventes da Covid-19 hospitalizados em São Paulo entre março e agosto de 2020. Os participantes foram analisados entre 6 e 11 meses após receberem alta hospitalar.
Entre os condutores do estudo está o doutor Rodolfo Furlan Damiano, médico psiquiatra do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP e pesquisador do Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM), projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Os cientistas utilizaram a escala Memory Complaint Scale (MCS) para identificar as queixas de memória. Com base no instrumento, classificaram 231 pacientes em um grupo com queixas moderadas/severas (SMC) e 377 sem ou com queixas leves.
Após a separação em grupos, os pesquisadores aplicaram diversos testes objetivos nos pacientes para realizar as avaliações sobre as queixas subjetivas de memória. Foram observados dados sobre a orientação temporal e espacial, a velocidade de processamento, a fluência verbal, bem como a memória episódica de cada participante do estudo.
Os resultados
Após ajustarem as análises de acordo com a idade, sexo e nível educacional dos participantes, os cientistas notaram diferenças significativas entre os dois grupos nos testes de orientação espacial, fluência verbal e memória retardada, embora com efeito baixo a moderado. Por outro lado, os sintomas psiquiátricos exibiram efeitos grandes nas análises, sugerindo impacto psicopatológico maior que o cognitivo nos relatos de memória.
Comparações com normas brasileiras revelaram, ainda, maior proporção de desempenho cognitivo abaixo do esperado nos testes de velocidade de processamento e de fluência verbal entre as pessoas com queixas moderadas/severas. Entretanto, a maior parte delas ainda estava enfrentando efeitos residuais do período de internação hospitalar.
Dos 231 participantes do grupo SMC, 24 deles (3,9% da amostra total) relataram já possuir queixas de memória antes da pandemia. Comparados às reclamações recentes, eles tiveram pontuações intermediárias nos sintomas psiquiátricos e diferenças apenas no teste de velocidade de processamento, sugerindo que as queixas surgidas após a Covid‑19 estão mais atreladas ao contexto emocional do que a déficits cognitivos prévios.
Este mesmo grupo – de pacientes com queixas subjetivas moderadas/severas – também teve piores pontuações na Escala de Impacto Funcional pós‑Covid, bem como nas escalas de depressão (HAD‑D), ansiedade (HAD‑A) e de estresse pós-traumático (PCL‑C).
Diante dos resultados, os pesquisadores responsáveis pelo estudo científico destacam que, embora a investigação revele disparidades cognitivas moderadas, são os sintomas de depressão e do Transtorno de Estresse Pós-Traumático que mais influenciam as queixas subjetivas de memória em pessoas que foram hospitalizados pela Covid‑19.
“Entre 38% dos pacientes que relataram queixas de memória até 11 meses após a alta hospitalar, a maior parte dessas queixas parece relacionada a fatores psiquiátricos, especialmente em mulheres. Isso reforça a importância de avaliações psiquiátricas cuidadosas em pacientes que relatam problemas de memória pós‑Covid, em vez de focar apenas em testes cognitivos objetivos”, pontua o psiquiatra e pesquisador Rodolfo.
O cientista pondera, entretanto, sobre a diferença de queixas subjetivas e problemas objetivos. Ele explica que o que está mais associado às questões psiquiátricas são as queixas relatadas pelos pacientes. Porém, também existem os problemas formais cognitivos, que, segundo explica, precisam ser investigados, pois, de acordo com estudos anteriores realizados por ele e outros pesquisadores, podem estar sim associados à Covid.
Os cientistas recomendam que as clínicas que recebem pacientes sobreviventes da Covid‑19 incluam triagem de depressão e estresse pós-traumático como parte prioritária da avaliação das queixas cognitivas. “Assim, intervenções mais eficientes de tratamento poderão ser direcionadas para a recuperação integral desses pacientes”, conclui Rodolfo.
Gostou da pesquisa? Quer saber mais? Acesse a íntegra neste link.
21 de julho de 2025
Institucional CISM