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Programa que apoia mães “de primeira viagem” recebe gestantes adolescentes em Indaiatuba e Jaguariúna

Programa que apoia mães “de primeira viagem” recebe gestantes adolescentes em Indaiatuba e Jaguariúna 1584 960 INPD Cism

Jovens de 14 a 20 anos podem participar; “Primeiros Laços” acompanha a saúde mental das gestantes e orienta sobre os cuidados do bebê

O “Primeiros Laços” abriu participação a jovens, de 14 a 20 anos, em primeira gestação, residentes nos municípios de Indaiatuba e Jaguariúna, no interior do Estado de São Paulo. O programa busca promover a saúde mental e emocional das gestantes, o vínculo entre mãe e bebê e o pleno desenvolvimento físico, social e cognitivo das crianças. 

Em Indaiatuba, o programa contratou enfermeiras para prestar assistência às gestantes. Em visitas domiciliares, as profissionais orientam as mães de primeira viagem sobre a preparação para o parto e a rotina que terão com o bebê após o nascimento, ensinando-as a trocar fralda, dar banho, como amamentar, entre outras atividades práticas. 

As visitas das enfermeiras ocorrem desde a gestação até os 2 anos de idade da criança, sendo realizadas a cada 15 ou 30 dias e com duração entre 40 e 60 minutos. As participantes recebem 38, sendo 13 durante a gestação, três no puerpério, 12 quando o bebê tiver entre 2 e 12 meses e 10 entre o primeiro e o segundo ano de vida da criança.

Além das visitas domiciliares, as participantes de Indaiatuba são acompanhadas por um grupo de pesquisadores, que avalia periodicamente seu estado emocional e o desenvolvimento da criança. Em Jaguariúna, o programa possui os mesmos critérios, porém as visitas são realizadas por enfermeiros das Unidades Básicas de Saúde (UBS).

A equipe busca diminuir o sofrimento emocional pré e pós-parto das gestantes e melhorar desfechos relacionados à saúde, bem como desenvolver habilidades parentais, proporcionar maior sensibilidade e responsividade às necessidades da criança, fortalecer os laços afetivos, além de melhorar o desenvolvimento físico, social e cognitivo dos bebês.

Desde julho, os pesquisadores implementaram um fluxograma, baseado em pontuações sobre o estado emocional das participantes. A plataforma emite notificações automáticas aos supervisores de campo sempre que é identificado um alerta sugestivo de sofrimento emocional ou de outras condições clínicas preocupantes. Nesses casos, as gestantes são encaminhadas para acompanhamento de saúde mental na Atenção Primária.

Como participar

O programa é gratuito e desenvolvido pelo Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM), em parceria com as prefeituras de Jaguariúna e Indaiatuba e com os centros universitários Max Planck (UniMAX) e de Jaguariúna (UniFAJ).  

Para participar, gestantes, de 14 a 20 anos, dos dois municípios, devem procurar a Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima para um pré-cadastro. Além de estarem na primeira gestação, elas precisam estar entre a 8ª e a 20ª semana gestacional. 

Impactando vidas

Kérem e sua bebê serão acompanhadas pelo programa até os 2 anos da criança (Foto: Arquivo pessoal)

Kérem Hapuque de Jesus Volpi é uma das participantes do programa, em Indaiatuba. Aos 20 anos, teve sua primeira filha no último dia 9. A jovem é acompanhada pelas enfermeiras do “Primeiros Laços” desde a 19ª semana de gravidez. 

A recém-mamãe agradece pelas aulas práticas, orientações e conversas que teve com as enfermeiras, especialmente na reta final da gradivez. Ela conta que o programa trouxe muito aprendizado e a ajudou a ter mais controle emocional na hora do parto. 

“O projeto me despertou sobre as minhas emoções. As enfermeiras não só ensinam, como também trabalham nas dificuldades”, afirma a jovem mãe. “Controlei mais a minha ansiedade para a hora do parto, fiquei mais segura e me senti mais preparada”, afirmou, em agradecimento às enfermeiras que integram a equipe do programa. 

Thalia Araújo Grilo, de 19 anos, está na 31ª semana de gestação. Para ela, as visitas têm sido um grande apoio e oferecido muita orientação. “Sempre me tranquilizam, trazem segurança, esclarecem minhas dúvidas e abordam assuntos que eu nem sabia que precisava discutir. As visitas têm me trazido momentos de calma e tranquilidade, especialmente quando estou sobrecarregada por questões que não consigo resolver”, diz.

Thalia (à direita), de 19 anos, está na 31ª semana de gestação (Foto: Arquivo pessoal)

Outra jovem acompanhada pelo programa é Sabrina Nascimento. Também aos 19 anos, a adolescente está com 32 semanas de gestação. Uma das atividades realizadas pelas enfermeiras durante as visitas se chama “Roda da Vida”, na qual as futuras mamães pintam uma roda com cores diferentes indicando suas emoções em diversos aspectos. 

Sabrina conta que, antes da entrada no programa, sentia fortes dores no estômago sempre que passava por uma situação de estresse. Ela lembra que, durante a primeira dinâmica da “Roda da Vida”, conversou, desabafou e refletiu bastante com a enfermeira. 

“Acho que se não tivesse a enfermeira para abrir meus olhos, eu teria colocado a minha gestação em risco porque eu passava muito estresse à toa. Não passo mais, graças à enfermeira. Qualquer probleminha eu já pegava para mim e guardava dentro de mim, e isso tava me fazendo muito mal, tanto fisicamente quanto mentalmente”, comenta Sabrina. 

A futura mamãe, que dará à luz a uma menina, ainda declara sentir que será uma mãe bem melhor do que seria se não tivesse as visitas da enfermeira em sua casa.

Mensagens enviadas pelas gestantes às enfermeiras (Kérem à esquerda e Sabrina à direita)

Efetividade e embasamento 

“Primeiros Laços”, que é gerenciado pelo Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM), surgiu a partir da compreensão de que a gestação em idades precoces é um fator de risco psicossocial importante para o desenvolvimento da criança e da mãe. 

“Elas enfrentam estigma, rejeição familiar e frequentemente precisam abandonar os estudos, o que tende a agravar o sofrimento emocional e prejudicar suas perspectivas de futuro”, ressalta Vinícius Nagy Soares, Doutor em Ciências Médicas e gestor do programa. “A falta de apoio pode se refletir em um cuidado inadequado do bebê, repercutindo de maneira negativa sobre o desenvolvimento infantil”, acrescenta o pesquisador do CISM. 

O gestor enfatiza, ainda, a importância do vínculo entre mãe e bebê como um “ingrediente fundamental” para o desenvolvimento infantil.

O programa encontra-se em sua “terceira onda”, sendo implementado como serviço público e gratuito nas unidades básicas de saúde (UBSs) de Indaiatuba e Jaguariúna. A primeira “onda” aconteceu na cidade de São Paulo e foi concluída em 2018. 

“Os resultados coletados no período tiveram publicações em revistas científicas e indicaram melhora, em relação à maternidade, entre as participantes que receberam a intervenção das visitas domiciliares das enfermeiras”, explica o gestor e pesquisador. 

Como reconhecimento de seu potencial e efetividade, o “Primeiros Laços” venceu o prêmio Abril & Dasa de Inovação Médica, na categoria “Inovação em Medicina Social”, em 2018. A honraria busca descobrir, reconhecer e valorizar profissionais e instituições que fazem a diferença nas ciências médicas e também nas boas práticas de saúde no país. 

“As mães passaram, por exemplo, a desenvolver o hábito de contar histórias ou cantar para a criança, e seus filhos firmaram uma relação de maior confiança com elas. Aos 2 anos, os bebês já se expressavam melhor, apontando objetos e falando”, detalha Vinícius. 

Os pesquisadores ainda analisaram exames de eletroencefalografia, que medem a atividade elétrica do cérebro. As análises indicaram que, aos 6 meses de nascido, o cérebro dos bebês cujas mães participaram da ação respondia mais rápido à presença materna. 

O custo-efetividade desta intervenção na saúde pública também está sendo avaliado a fim de verificar o potencial de escalabilidade para outros municípios, tornando-o, de fato, uma política pública completamente inserida na rotina das equipes das UBSs.

Parte da equipe que conduz o programa “Primeiros Laços” em Indaiatuba e Jaguariúna (Foto: Divulgação/CISM)

Eixos abordados 

O estudo ligado ao “Primeiros Laços” é pioneiro em aliar o método experimental com avaliações sistemáticas longitudinais (que duram por longo tempo), compreendendo os domínios cognitivos e emocionais e também os genéticos e neurofisiológicos.  

De forma abrangente, “Primeiros Laços” aborda cinco eixos da vida das gestantes: 

1 – Saúde e assistência social: psicoeducação em relação à saúde materno-infantil, como nutrição, higiene, patologias comuns na infância, cuidados domésticos, vacinação, prevenção de acidentes e desenvolvimento neuropsicomotor infantil. A enfermeira procura encorajar a participante a procurar serviços de saúde e sociais quando necessário; 

2 – Saúde ambiental: a enfermeira presta apoio e ajuda para identificar recursos a fim de garantir condições de vida adequadas, moradia segura, creche, escola e acesso à saúde; 

3 – Curso de vida: planejamento do curso de vida para ajudar as participantes a alcançar metas, como terminar o Ensino Médio, encontrar um emprego de meio-período, iniciar o ensino superior e adiar o nascimento de um segundo filho. As necessidades e objetivos das participantes são sempre discutidos individualmente, respeitando seus objetivos e desejos;

4 – Habilidades parentais: psicoeducação em habilidades parentais adequadas e comportamentos adequados para cada estágio de desenvolvimento da criança; 

5 – Família e rede social de apoio: estimulam as gestantes e mães a reconhecerem e utilizarem os recursos familiares e sociais (creches, serviços sociais, lazer, emprego) no processo de desenvolvimento do cuidado de seus bebês. Além das visitas domiciliares, também são organizados encontros grupais incluindo os pais e/ou avós, visando o aprofundamento de alguns temas e maior aproximação e entrosamento das participantes.

O CISM

O Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM) atua com o propósito de avançar e disseminar o conhecimento sobre saúde mental no Brasil a partir de intervenções inovadoras que melhoram o bem-estar das comunidades. Criado em março de 2023, o centro de pesquisa é ligado ao Instituto de Psiquiatria (IPq), do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). 

O CISM reúne um amplo número de pesquisadores, entre estudantes e professores de diversas universidades nacionais e internacionais, numa troca constante de informação e conhecimento. Os maiores nomes da psiquiatria do País – Euripedes Constantino Miguel, Luis Augusto Rohde, Paulo Rossi Menezes e Jair de Jesus Mari – estão à frente. 

Entre sua ações, o grupo investiga os fatores genéticos e ambientais dos transtornos mentais em crianças e adolescentes, trabalha para implementar novas intervenções eficazes na prática clínica por meio da transferência de conhecimento e tecnologia em saúde mental para a sociedade e, ainda, incentiva o empreendedorismo social através do desenvolvimento de soluções digitais inovadoras para o cuidado da saúde mental.

Todas as iniciativas do Centro de Pesquisa só são possíveis graças ao apoio de seus financiadores, que incluem a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o Banco Industrial do Brasil (BIB). O CISM conta, ainda, com a parceria do Grupo UniEduK, composto pelos centros universitários Max Planck (UniMAX) e de Jaguariúna (UniFAJ), com professores e estudantes integrando diversos projetos. 

Além disso, o CISM conta com pesquisadores e docentes de outras universidades, como Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

19 de dezembro de 2024

Mainary Nascimento, Institucional CISM