A pesquisa, publicada em periódico internacional, avaliou dados de 1.492 pessoas sobre consumo de álcool, tabaco, cannabis e cocaína; fatores como discriminação, estigma e exclusão social podem estar associados
Um estudo científico, publicado no periódico International Review of Psychiatry, revelou que jovens brasileiros integrantes da comunidade LGBTQIAPN+ apresentam maiores taxas de uso de substâncias psicoativas, bem como iniciam o consumo mais cedo de álcool, tabaco, cannabis e cocaína em comparação com cisgêneros heterossexuais.
A pesquisa está sendo conduzida pelo psiquiatra e cientista Caio Petrus Monteiro Figueiredo, durante doutorado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), com bolsa oferecida pelo Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM). O orientador é o também psiquiatra Dr. Arthur Caye, gerente de pesquisa do CISM.
O doutorando avaliou dados de 1.492 jovens, entre 9 e 21 anos, das cidades de São Paulo e Porto Alegre. O grupo faz parte da Brazilian High Risk Cohort (BHRC) – Coorte Brasileira de Alto Risco para Condições Mentais – um dos mais importantes estudos do mundo sobre neurodesenvolvimento, que investiga as origens genéticas e ambientais dos transtornos. Também chamado “Conexão Mentes do Futuro”, o projeto faz parte do CISM.
Os participantes responderam a questionários sobre orientação sexual, identidade de gênero e uso de quatro substâncias psicoativas – álcool, tabaco, cannabis e cocaína. As análises estatísticas compararam as respostas de jovens LGBTQIAPN+ e cisgêneros heterossexuais, considerando fatores como idade, sexo ao nascimento, cor de pele e classe socioeconômica. Do total de participantes, 247 se identificaram como LGBTQIAPN+.
Além disso, também foram aplicados testes de regressão logística e análises de sobrevivência para estimar prevalência e idade de início do uso de substâncias. A “regressão logística” é uma técnica estatística que avalia relações entre uma e mais variáveis, servindo para estimar a probabilidade de um evento ocorrer. Já as “análises de sobrevivência” são um conjunto de métodos estatísticos que os cientistas usam em estudos epidemiológicos e clínicos para avaliar o tempo até o determinado acontecimento.
Resultados
O estudo conduzido por Caio apontou maiores taxas de consumo por jovens LGBTQIAPN+ para os quatro tipos de substâncias. Um total de 48% dos membros da comunidade usam tabaco – contra 37% do cis-heterossexuais; 40% deles consomem cannabis – versus 27% entre os demais; e 7,4% cocaína, contra 3,6%. Apenas o consumo de álcool foi semelhante entre os grupos: 85,9% para o primeiro e 83,7% para o segundo.
As análises também revelaram diferenças significativas em relação ao sexo de nascimento. Além de relatarem maior uso de tabaco, cannabis e cocaína, pessoas designadas como mulheres ao nascer, iniciaram o consumo dessas substâncias mais cedo, em média, entre 10 e 15 anos. Já as mulheres heterossexuais iniciaram com 13 a 17 anos.
O recorte relacionado à orientação sexual mostrou que as maiores taxas de uso foram entre as mulheres bissexuais. Do total delas, 77,9% usam álcool; 26,3% tabaco; 56% cannabis e 9,2% cocaína. Sobre a cor da pele, o estudo separou entre autodeclaração “branca” e “não branca” dada pelos pais dos participantes, mas não encontrou diferenças significativas – o mesmo aconteceu em relação ao status socioeconômico dos participantes.
Em resumo, a investigação científica aponta que jovens LGBTQIAPN+, em especial mulheres bissexuais, enfrentam risco ampliado de uso precoce e maior de substâncias.
Fatores sociais e ciência de impacto
Para os pesquisadores envolvidos no estudo, os resultados sugerem a influência de fatores sociais e estruturais, como discriminação, estigma e exclusão social, para o consumo mais frequente e mais cedo de substâncias psicoativas entre esses jovens.
“Experiências de preconceito, rejeição e isolamento social aumentam o sofrimento psicológico, reduzem a busca por redes de apoio e serviços de saúde mental e podem acabar levando ao uso de drogas como ‘forma de enfrentamento’ entre jovens LGBTQIAPN+”, aponta o pesquisador Caio. O doutorando atua como psiquiatra assistente no Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínica (HC) da FMUSP, supervisionando residentes da Enfermaria de Comportamento Impulsivo (ECIM).
Para o jovem cientista, diante dos achados do estudo, é recomendável que haja a implementação de estratégias de prevenção focadas no gênero e na diversidade sexual dos jovens brasileiros. “Ações devem ser integradas a programas escolares e comunitários, além de intervenções digitais que alcancem adolescentes em contextos de vulnerabilidade”.

O estudo de Caio conquistou o “Prêmio Jovem Pesquisador” no Brain Congress 2025
(Foto: Arquivo pessoal)
O psiquiatra espera que os dados coletados possam ajudar na construção de políticas públicas mais sensíveis e “que olhem com mais cuidado para realidades ainda tão estigmatizadas, principalmente entre populações marginalizadas e vulneráveis”.
Caio conta que o tema da pesquisa reúne alguns dos seus principais interesses dentro da psiquiatria. “O que mais me alegra neste trabalho é conseguir ligar a pesquisa com o que vejo na prática, na enfermaria e no consultório”, comenta o pesquisador.
O doutorando espera que sua pesquisa contribua para um olhar mais sensível e humanizado sobre a saúde da comunidade LGBTQIAPN+ no Brasil, longe de estigmas. “Acredito na ciência que se traduz em transformação clínica e social”, defende.
Paper
O artigo de Caio, intitulado Patterns of substance use and initiation among LGBTQIAPN+ youth in Brazil: Evidence from a population-based cohort – com tradução para o português como “Disparidades no uso de substâncias entre jovens brasileiros: Um estudo das influências de gênero e orientação sexual” – foi publicado no último dia 17.
Em junho, o psiquiatra apresentou o estudo no Brain Congress 2025 e foi agraciado com o “Prêmio Jovem Pesquisador”, oferecido pela organização do evento. Veja aqui.
Além do Dr. Arthur Caye, outros pesquisadores do Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental aparecem entre os autores do paper: Pedro Mario Pan, coorientador do estudo; o coordenador do CISM Euripedes Constantino Miguel; o vice-coodenador Luis Augusto Rohde, e Giovanni Abrahão Salum, que também é pesquisador da BHRC.
Gostou da pesquisa? Quer saber mais? Acesse a íntegra clicando AQUI.
29 de outubro de 2025
Institucional CISM


