Sarah Aguiar Monteiro Borges obteve dados do longo estudo científico ligado ao CISM para entender como o estigma em saúde mental afeta a busca por ajuda entre jovens brasileiros
A jovem pesquisadora Sarah Aguiar Monteiro Borges, de 23 anos, usou dados de um longo estudo científico brasileiro em sua tese final de graduação em Psicologia na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos: o Brazilian High Risk Cohort (BHRC) – ou Coorte Brasileira de Alto Risco. O projeto é ligado ao Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM) e investiga a origem genética e ambiental dos transtornos mentais.
Com a nota obtida no trabalho de conclusão e o desempenho excepcional acumulado nos anos de formação, Sarah alcançou um feito inédito para um brasileiro: a conquista do prêmio “Sophia Freund Prize”. A distinção é oferecida a quem tira a nota final mais alta da turma e equivale ao maior nível de honra acadêmica a um graduando.
“O que mais me emocionou foi poder dar esse mérito ao Brasil”, conta Sarah entusiasmada. “Nunca estudei só pela nota. Escolhi disciplinas que me desafiavam e realmente me interessavam […]. Encerrar esse ciclo com esse reconhecimento foi uma surpresa linda e um lembrete do poder da educação feita com consistência e propósito”, acrescenta a jovem. Sarah comenta que jamais imaginava receber tamanha distinção.
O trabalho final da psicóloga é intitulado “I Wouldn’t Tell Anyone”: An Investigation of Mental Illness Stigma, Help-Seeking, and Service Use Among Brazilian Youth, que em português significa “Eu Não Contaria a Ninguém”: Uma Investigação sobre Estigma em Saúde Mental, a Busca por Ajuda e o Uso de Serviços Entre Jovens Brasileiros. A pesquisa analisa como as crenças negativas (estigmas) sobre pessoas com transtornos interferem na decisão de jovens brasileiros a buscarem por serviços de saúde mental para tratamento.
A conclusão de que o estigma pode funcionar como uma grande barreira interna para esses jovens foi obtida após a análise de dados de quase 2 mil participantes da BHRC. Sarah investigou as variáveis sociodemográficas, clínicas e de acesso a cuidado psicológico desses indivíduos. A Coorte acompanha os participantes há uma década e meia, alimentando um gigantesco banco de informações genéticas – veja mais aqui.
A psicóloga conheceu o longo estudo da Coorte em seu terceiro ano em Harvard, quando a professora Sintia Belangero, uma das principais pesquisadoras da BHRC e coordenadora da área de genética e biorrepositório, foi premiada e apresentou o trabalho de investigação sobre a base genética dos transtornos psicológicos. A pesquisadora é docente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), instituição parceira do CISM.
“Eu era vice-presidente da Brazil Conference e liderei o Programa de Pesquisadores”, conta Sarah sobre o momento em que conheceu o trabalho da BHRC. “Me impressionei com a extensão e a riqueza do estudo e fiquei interessada principalmente nos dados relacionados a fatores sociais”, acrescenta a psicóloga recém-formada em Harvard.

A jovem recebeu uma honraria inédita para os brasileiros: o “Sophia Freund Prize” (Foto: Arquivo pessoal)
A BHRC
O imenso banco produzido pela Coorte, que permite o acesso de cientistas brasileiros e estrangeiros, possibilita descobertas científicas de impacto mundial capazes de mudar o campo da pesquisa e estabelecer novos parâmetros referenciais sobre o desenvolvimento típico do cérebro. Empolgada com tamanha produção, Sarah fez o processo de solicitação para transferência de dados em colaboração e iniciou sua tese.
“Depois, fiz o tratamento e a análise dos dados de forma independente, sob supervisão do professor Mark Hatzenbuehler [do Departamento de Psicologia de Harvard]. Foi desafiador, mas muito enriquecedor ao mesmo tempo”, comenta a jovem. “Um grande diferencial da BHRC é que ela avalia o estigma por meio de vinhetas randomizadas, o que reduz vieses de autorrelato, uma limitação comum em estudos sobre o tema”, explica.
Ao encontrar diferenças relevantes entre dimensões do estigma, como crenças de que pessoas com doenças mentais são fracas ou perigosas, a tese da psicóloga abre caminhos para intervenções em saúde mental mais direcionadas.
“Os resultados sugerem que o estigma pode ser um obstáculo importante e que há várias nuances. Um dos achados mais marcantes foi que jovens que já tinham vivenciado problemas de saúde mental como os descritos nas vinhetas e tinham crenças estigmatizantes eram os menos prováveis de buscarem serviços”, comenta Sarah.
A jovem destaca que a BHRC é um exemplo da excelência da ciência brasileira. Segundo conta, os professores de Harvard, com quem desenvolveu a tese, reconheceram a base de dados “como uma das mais robustas com as quais já trabalharam”.

Sarah ao lado da professora Sintia e do colega Matheus Farias na “Brazil Conference”, evento que ajudou a organizar para reunir lideranças brasileiras de vários setores em Harvard e no MIT (Foto: Arquivo pessoal)
Carreira de impacto em saúde mental
O projeto de Sarah já abriu portas para a carreira de pesquisadora que ela sonha seguir. A psicóloga passou a colaborar com o Professor Rodrigo Bressan – um dos contribuidores da BHRC -, está preparando um artigo para publicação e envolveu-se em um novo projeto focado especificamente no estigma em torno da depressão. No CISM, o Dr. Bressan atua, ainda, no programa “Saúde Mental nas Escolas”, que capacita educadores para o manejo de transtornos mentais e de conduta em sala de aula – saiba mais.
Para a carreira de cientista em saúde mental, Sarah aponta muitos pesquisadores de referência, nos quais se inspira. “Seria difícil listar todos! Admiro bastante os pesquisadores ligados à Coorte. Do Brasil, sou muito inspirada pelo trabalho do professor Giovanni Salum [membro do CISM], tanto pela qualidade das pesquisas que conduz, quanto pela sua atuação internacional à frente de programas no Child Mind Institute”, conta.
Nos agradecimentos da tese, além da professora Sintia, a jovem cita outros cientistas brasileiros, como André Simoni e Igor Duarte, ambos integrantes do CISM. Recentemente, assim como Sarah, o também psicólogo Igor usou dados da BHRC para sua tese de mestrado e criou um modelo promissor para melhorar a identificação de biomarcadores de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) – veja aqui.
A jovem pretende seguir a pesquisa em saúde mental com foco em formas mais sensíveis de definição e diagnóstico de transtornos, e em como os fatores sociais e estruturais influenciam o desenvolvimento e a manutenção desses quadros na vida dos jovens. Ela conseguiu uma bolsa de doutorado da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, por meio da qual estudará a área da Psiquiatria a partir do próximo semestre.
“Também quero continuar direcionando minha pesquisa ao Brasil e a países de baixa e média renda. Apesar de representarem cerca de 90% da população mundial, estima-se que esses países fazem parte de menos de 4% das amostras de estudos em psicologia. Quero ajudar a mudar esse cenário, ampliando a representação de grupos sub-representados e produzindo conhecimento que possa ser aplicado onde ele é mais necessário”, afirma.

Sarah quer uma carreira que gere pesquisa de impacto em saúde mental para os jovens no Brasil (Foto: Arquivo pessoal)
O desejo crescente de expandir esse tipo de pesquisa científica para o contexto brasileiro surgiu ainda durante as aulas em Harvard, quando percebeu muitas lacunas, visto que quase todos os estudos que lia eram conduzidos nos Estados Unidos ou na Europa. “Foi nesse processo que compreendi a urgência de mais investigações sobre saúde mental no Brasil e o quanto ela é uma dimensão fundamental de justiça social”, destaca.
Para o futuro como pesquisadora, a psicóloga sonha com uma carreira voltada ao impacto e cita mais dois professores de Harvard como inspirações – Vikram Patel e a brasileira Márcia Castro, da Harvard T.H. Chan School of Public Health. Com o primeiro, conheceu abordagens comunitárias, acessíveis e culturalmente sensíveis em países de baixa e média renda e se encantou pelo compromisso com a equidade e a ciência aplicada.
Já a segunda docente a motiva a continuar promovendo pontes entre a ciência feita no Brasil e a produzida fora do país. Assim como a professora Márcia, que gera ciência com impacto no Brasil e lidera redes de colaboração entre pesquisadores brasileiros e internacionais, Sarah diz querer estar onde possa gerar impacto. “Estando no Brasil ou fora, permanecerei sempre conectada com os desafios do nosso país”, afirma a jovem psicóloga.
Sarah pontua, ainda, que “a ciência brasileira já provou sua qualidade e merece receber apoio para crescer ainda mais”. Em sua opinião, o que muitas vezes falta no Brasil é reconhecimento público e investimento político para a pesquisa.
Como bolsista no exterior, a psicóloga recém-formada acredita que universidades, como a de Harvard, são transformadoras porque reúnem talentos do mundo todo, o que, em sua opinião, é muito importante para o avanço da ciência e do pensamento global. “Muitos dos meus amigos mais próximos são de várias partes do mundo e isso é uma das coisas que considero como mais valiosas da minha experiência na graduação”, enfatiza.

Sarah e seus colegas de turma. Na formatura, o presidente da Universidade de Harvard reforçou a importância da reunião de talentos do mundo todo. (Foto: Arquivo pessoal)
A passagem pela FMUSP
Antes de iniciar o curso de Psicologia em Harvard, Sarah teve uma passagem pela Universidade de São Paulo (USP), onde estudou Medicina por um semestre, ainda em 2020. Apesar de ter sido um período curto, a pesquisadora o considera “muito marcante” para sua trajetória. “Criei laços com colegas e professores que levo comigo até hoje”, diz.
Ao falar sobre a USP, a jovem destaca como “enorme” a contribuição da ciência brasileira para o mundo. “O Brasil ocupa o 13º lugar no ranking mundial de produção científica, sendo que a maior parte dessa produção vem de universidades públicas. A USP, por exemplo, é a 16ª universidade que mais publica artigos científicos no mundo!”, ressalta.
Para a psicóloga, muito mais do que “letras e números”, esses artigos significam conhecimento com potencial de transformar setores como saúde, educação, economia e o meio ambiente. “Eu tenho muito orgulho dos nossos cientistas. Foi isso que me motivou a ajudar a criar, nos Estados Unidos, um programa para levar pesquisadores brasileiros a Harvard e ao MIT [Massachusetts Institute of Technology] para nos ensinarem com suas pesquisas”, conta. Foi justamente neste programa que ela conheceu a professora Sintia.
E foi ainda na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) que Sarah começou a se interessar por determinantes sociais da saúde. Ela lembra de uma aula em especial, ministrada pelos professores Ana Claudia Germani e José Ricardo Ayres, que a marcou: “Processo Saúde-Doença-Cuidado”. Foi ali que a estudante passou a refletir sobre como as desigualdades sociais interferem no processo de adoecimento da população.
Segundo narra, a pesquisa em saúde mental já despertava o seu interesse ainda antes de ingressar na FMUSP. O contato próximo que teve com professores-pesquisadores de excelência da universidade brasileira contribuiu ainda mais com o seu desejo de se envolver nesta área já em seu primeiro ano em Harvard. “A minha experiência [na FMUSP] também expandiu minha visão sobre a diversidade de temas que podem ser investigados dentro da área da saúde. Tudo isso contribuiu para as oportunidades que busquei. Até hoje mantenho contato com colegas da FMUSP com quem espero colaborar no futuro”, destaca.

Sarah em seus tempos de FMUSP, ainda no ano de 2020 (Foto: Arquivo pessoal)
Talento em família
Sarah tem uma irmã gêmea que carrega o mesmo nome do prêmio conquistado em Harvard: “Sophia”. Ambas entraram juntas na FMUSP, onde a irmã cursou até o 5º ano da graduação. Uma em Harvard e a outra na USP, ambas seguiram os estudos e tiveram acesso a grandes oportunidades. Sarah afirma que acompanhar a trajetória da irmã gêmea na Universidade de São Paulo só confirmou essa grandeza com ainda mais força.
Diferente de Sarah, Sophia não aplicou para universidades no exterior, no início da graduação. No final do Ensino Médio, já se decidiu pela Medicina e percebeu que o caminho no Brasil parecia a melhor escolha, tendo em vista a qualidade das universidades e recursos disponíveis.
Atualmente, Sophia faz doutorado sanduíche na Harvard TH Chan School of Public Health. Via programa MD-PhD, desenvolve um trabalho sobre como incorporar critérios de equidade na avaliação de tecnologias de saúde no Serviço Único de Saúde (SUS), por meio de uma avaliação do Programa Nacional de Imunizações, do Ministério da Saúde.
“Pude ver o quanto ela teve acesso a professores excepcionais, projetos de pesquisa relevantes e possibilidades concretas de intercâmbio e colaboração internacional. Isso tudo me mostra que o caminho que escolhi foi o certo para mim, mas não o único”, fala Sarah sobre a trajetória da irmã. “A USP forma pesquisadores brilhantes e oferece uma formação sólida. Tenho muito respeito por tudo o que ela representa para o nosso país”, diz.

Sophia e Sarah desejam seguir carreira como pesquisadoras na área da saúde mental (Foto: Arquivo pessoal)
Sophia foi aluna de Iniciação Científica (IC) do CISM, período em que publicou três artigos científicos em periódicos internacionais, sob orientação do professor Dr. Rodolfo Furlan Damiano – foi a primeira atividade da jovem com pesquisa na universidade.
O primeiro, publicado na Psychiatry Research (Elsevier), estudou a saúde mental dos refugiados do campo de Dzaleka, no Malawi. O segundo, aceito pela mesma revista em fevereiro, revelou a ligação entre inflamação e sintomas neuropsiquiátricos em pacientes com Covid longa – veja. Já o terceiro, que saiu no American Journal of Lifestyle Medicine em março, explorou a relação entre o estilo de vida e sintomas psiquiátricos pós-Covid.
“Os três artigos que desenvolvi durante minha IC com certeza contribuíram muito para meu aprendizado em pesquisa e minha preparação para o doutorado”, destaca Sophia. “Sou muito grata pela orientação dos professores Rodolfo, Euripedes [Constantino Miguel, coordenador do CISM] e Orestes [Vicente Forlenza]”, acrescenta a estudante.
Sophia comenta que o projeto foi concluído com o Dr. Rodolfo, porém, acredita que, de ambos os lados, existem aberturas para continuarem o trabalho, juntos, futuramente. “Saúde mental é uma área extremamente importante, fascinante e que também me atrai muito. Esse foi o motivo pelo qual eu decidi ter minha primeira experiência com pesquisa na universidade justamente nessa área, ainda quando estava no segundo ano da faculdade”.
Assim como a irmã gêmea, Sophia também deseja seguir trajetória como pesquisadora. No momento, está em uma área mais ampla da saúde pública, estudando como as inequidades no Brasil – acesso aos serviços de saúde e disparidades regionais socioeconômicas, por exemplo – podem influenciar as tomadas de decisões na área.
Com propósitos semelhantes, ambas compartilham bastante sobre pesquisa, carreira científica e em como podem atuar visando combinar suas habilidades e aspirações. Sophia, assim como Sarah, também vislumbra uma carreira de impacto no Brasil.
“Em alguns anos, me vejo contribuindo com a saúde pública no Brasil por meio de pesquisa aplicada e baseada nas experiências de dentro do sistema de saúde, como médica”, almeja a estudante. “Especialmente, pretendo trabalhar em temas que apoiem a tomada de decisão no SUS e que direcionem nossas políticas em saúde, aplicando a pesquisa científica diretamente nessa priorização. Quero usar o conhecimento adquirido e aprofundado fora do país para fortalecer o SUS e o Brasil”, conclui a futura médica.

Sophia sonha com uma carreira que fortaleça o SUS e o Brasil (Foto: Arquivo pessoal)
O CISM
O Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM) atua com o propósito de avançar e disseminar o conhecimento sobre saúde mental no Brasil a partir de intervenções inovadoras que melhoram o bem-estar das comunidades. É ligado ao Instituto de Psiquiatria (IPq), do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP.
O CISM reúne um amplo número de pesquisadores, entre estudantes e professores de diversas universidades nacionais e internacionais, numa troca constante de informação e conhecimento. Os maiores nomes da psiquiatria do País – Euripedes Constantino Miguel, Luis Augusto Rohde, Paulo Rossi Menezes e Jair de Jesus Mari – estão à frente.
O Centro conta com um eixo dedicado à capacitação de novos talentos em pesquisa científica de ponta e excelência. Os alunos, participantes dos programas de formação, como Sophia, desenvolvem relevantes estudos sob a orientação dos pesquisadores-professores.
Entre outros pontos, integram os valores e visão do CISM a formação de recursos humanos altamente qualificados, a colaboração interdisciplinar, o trabalho em equipe, o compromisso com o estudo e a disseminação universal e aberta dos conhecimentos.
Todas as iniciativas do Centro de Pesquisa só são possíveis graças ao apoio de seus financiadores, que incluem a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o Banco Industrial do Brasil (BIB). O CISM conta, ainda, com a parceria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), do Centro Universitário Max Planck (UniMAX) e de Centro Universitário de Jaguariúna (UniFAJ).
2 de julho de 2025
Mainary Nascimento, Institucional CISM