Ciência e Sociedade
Notícias

Novo centro da USP pretende combinar pesquisa em saúde mental com atendimento digital à população

Novo centro da USP pretende combinar pesquisa em saúde mental com atendimento digital à população 1200 627 INPD Cism

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – O Centro Nacional de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM) foi lançado oficialmente em evento realizado na última quarta-feira (15/03), no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FM-USP).

Iniciativa conjunta do Departamento de Psiquiatria da FM-USP e da FAPESP, o CISM deverá combinar atividades de pesquisa, buscando os fatores que originam e precipitam os transtornos mentais, com o desenvolvimento de intervenções digitais que possam promover a saúde mental da população de forma mais inovadora e escalável. Além disso, se propõe a estudar a implementação de intervenções comprovadamente efetivas no Sistema Único de Saúde (SUS), de modo a garantir que o conhecimento gerado pela ciência em saúde mental se traduza em benefícios reais à população.

Reunindo pesquisadores das faculdades de medicina da USP, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), as mais produtivas em saúde mental da América Latina, o CISM já conta com um expressivo leque de parcerias ou assessorias internacionais, entre elas as das universidades Harvard e Yale, nos Estados Unidos.

Além do substancial aporte financeiro provido pela FAPESP, sua criação contou com recursos do Banco Industrial do Brasil (BIB). No âmbito da FAPESP, o CISM ficará alocado entre os Centros de Pesquisa em Engenharia/Centros de Pesquisa Aplicada (CPEs/CPAs) mantidos pela Fundação.

Em apresentação feita durante o evento, Eurípedes Constantino Miguel Filho, vice-chefe do Departamento de Psiquiatria da FM-USP e coordenador do projeto, informou com mais detalhes como serão os três eixos estruturantes do CISM.

“No Eixo 1, ‘Neurociência Populacional’, teremos um estudo de coorte [acompanhamento de um grupo de voluntários] que buscará identificar os fatores de risco importantes na origem dos transtornos mentais. No Eixo 2, ‘Intervenções Digitais’, queremos criar um ambiente de inovação em que identificamos as necessidades da população em saúde mental e partimos para a prototipagem e desenvolvimento de aplicativos que possam dar conta destes problemas, sendo devidamente testados do ponto de vista de sua eficácia clínica. No Eixo 3, ‘Ciência da Implementação’, pretendemos implementar intervenções baseadas em evidências no Sistema Único de Saúde de duas cidades do Estado de São Paulo, Jaguariúna e Indaiatuba. O objetivo final é oferecer soluções testadas para serem disseminadas pelo país e adotadas como políticas públicas”, disse.

Referência internacional

A expectativa é que o modelo do CISM não apenas extrapole as fronteiras paulistas, podendo motivar iniciativas semelhantes em outros Estados brasileiros, mas também se torne uma referência internacional, principalmente, mas não apenas, para países de baixa e média rendas per capita.

Miguel Filho lembrou que os transtornos mentais afetam cerca de 30% da população na megalópole de São Paulo. Esse número foi levantado por uma pesquisa realizada há mais de dez anos, mas que continua referencial na área (leia mais em: agencia.fapesp.br/15215/).

“Além disso, entre todas as condições médicas, os transtornos mentais se destacam por representar uma grande carga de doença para a população, por serem frequentes, iniciarem cedo na vida e causarem incapacidade e sofrimento”, ressaltou.

Um dado quase sempre ignorado é que os transtornos mentais têm início precoce, tendo seu pico de incidência entre os 14 e 15 anos de idade. Por outro lado, o acesso ao tratamento é limitado. Estudo que utilizou uma base de dados de mais de 60 mil indivíduos no Brasil mostrou que, por ocasião do levantamento, apenas 20% das pessoas com depressão haviam recebido algum tipo de tratamento. E que uma porcentagem importante da população mais vulnerável não estava recebendo ajuda. Esses números sobrelevam a importância do CISM para o sistema de saúde brasileiro.

Na sequência da apresentação, Luis Augusto Rohde, professor titular do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS, desenvolveu o tema das tecnologias digitais em saúde mental, contemplado pelo Eixo 2. E afirmou que, embora os aplicativos dedicados à saúde mental tenham explodido no mercado, apenas 2% deles são respaldados por pesquisas. “Além disso, 90% dos usuários abandonam os aplicativos em um prazo de dez dias”, disse.

A proposta de criação do “Hub Saúde Mental Digital” visa superar esse quadro, tornando-se um centro de referência nacional para incubação e aceleração de soluções digitais inovadoras em saúde mental. E, em parceria com o INOVA-HC (núcleo de inovação tecnológica do hospital), estabelecer um centro de acreditação para soluções digitais inovadoras em saúde mental.

O detalhamento do Eixo 3 foi feito por Paulo Rossi Menezes, professor titular do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina (FMUSP). Ele informou que aproximadamente 50% das intervenções médicas que têm eficácia cientificamente comprovada não chegam à prática clínica. E que o tempo médio necessário para a implementação gira em torno de 20 anos. Ou seja, não basta produzir conhecimento de qualidade, é preciso saber como colocá-lo em prática – o que torna a própria implementação uma ciência.

Além de Miguel Filho, Rohde e Menezes, a coordenação do CISM conta com a participação de Jair de Jesus Mari, professor titular do Departamento de Psiquiatria da Unifesp.

No evento de lançamento, entre várias autoridades, estiveram presentes Vahan Agopyan, secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo; Carlos Gilberto Carlotti Júnior, reitor da USP; Eloisa de Oliveira Bonfá, diretora da FM-USP; Carlos Alberto Mansur, CEO do BIB; Marco Antonio Zago, presidente do Conselho Superior da FAPESP; e Luiz Eugênio Mello, diretor científico da Fundação.

Zago contou que a proposta original do CISM, que vinha com a doação privada do BIB, não correspondia exatamente ao modelo dos CPEs/CPAs, que é hoje o maior programa de cooperação entre universidades e empresas do Brasil, com um investimento de R$ 1,5 bilhão.

“O professor Luiz Eugênio Mello trabalhou intensamente, junto com o Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente da FAPESP, para formatar esse centro que estamos lançando aqui agora. E é isso que eu quero comemorar, a capacidade de nossos diferentes atores de obter os resultados que importam para a sociedade”, sublinhou Zago.

Leia na íntegra: agencia.fapesp.br