As descobertas oferecem novas pistas sobre como a depressão afeta o cérebro e podem levar ao desenvolvimento de tratamentos mais eficazes
Pela primeira vez, cientistas identificaram fatores genéticos de risco para a depressão em populações de diferentes etnias, possibilitando prever o risco da doença independentemente da origem genética da pessoa. O estudo, que é o maior e mais diverso já realizado sobre a genética da depressão, analisou dados de mais de 5 milhões de pessoas em 29 países. Os resultados foram publicados no periódico Cell, no último dia 14.
A pesquisa revelou cerca de 700 variações genéticas relacionadas à depressão, quase 300 delas nunca antes identificadas. O estudo utilizou dados da Brazilian High-Risk Cohort (BHRC), ou Coorte Brasileira de Alto Risco para Transtornos Mentais, projeto ligado ao Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM).
Um terço dessas novas descobertas foi possível graças à inclusão de indivíduos de ancestralidade genética miscigenada, como ocorre predominantemente na população brasileira. A medida marca um avanço significativo na equidade científica, visto que esse tipo de estudo, geralmente, conta com participantes com ancestralidade europeia.
“O estudo é um marco na psiquiatria genética. Ele mostra a importância de incluir diferentes populações nas pesquisas para que os tratamentos possam ser eficazes para todos”, comenta o psiquiatra e pesquisador Pedro Mario Pan, coordenador da pesquisa no Brasil e integrante do CISM e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Dr. Pedro Mario Pan coordena os estudos genéticos no Brasil (Foto: Divulgação/CISM)
Impacto das descobertas
As variações genéticas identificadas estão ligadas a neurônios em regiões cerebrais que controlam as emoções. Essas descobertas oferecem novas pistas sobre como a depressão afeta o cérebro e podem levar ao desenvolvimento de tratamentos mais eficazes.
“Essas novas informações destacam áreas do cérebro que podem ser alvos diretos para terapias, além de permitir a adaptação de medicamentos existentes para tratar a depressão”, explica a professora e pesquisadora Sintia Belangero, do CISM e Unifesp.
Entre os medicamentos que podem ser reaproveitados alguns já são usados para tratar dor crônica e distúrbios do sono. Contudo, os pesquisadores alertam que mais estudos e testes clínicos são necessários antes de confirmar sua eficácia para depressão.
Também participaram do estudo outros membros do CISM, como os professores Giovanni Salum, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e Marcos Santoro, da Unifesp. Ambas as universidades são parceiras do CISM na pesquisa.

Sintia Belangero coordena a área de genética e biorrepositório da coorte (Foto: Divulgação/CISM)
Avanços no entendimento da depressão em diferentes etnias
Os cientistas explicam que, como a maior parte das pesquisas genéticas anteriores focava em populações de ascendência europeia, havia uma limitação na aplicação dos resultados em outras etnias, perpetuando, com isso, desigualdades nos tratamentos.
Agora, com 25% dos participantes sendo de ascendência não-europeia, o novo estudo representa um passo fundamental para tornar os avanços científicos mais inclusivos.
“Esses resultados ajudam a reduzir lacunas históricas no conhecimento sobre a depressão e podem beneficiar milhões de pessoas em populações que antes eram sub-representadas”, afirma a pesquisadora Vanessa Ota, também da Unifesp.
O que vem pela frente?
Os resultados destacam a necessidade de mais pesquisas globais e colaborativas. Os cientistas esperam que os dados sirvam de base para novos tratamentos, além de melhorar a prevenção da depressão em indivíduos com maior risco genético.
“Agora temos uma visão muito mais clara da base genética da depressão, mas ainda há muito a fazer. O objetivo final é transformar essas descobertas em cuidados melhores e mais acessíveis para quem sofre com essa condição”, conclui a aluna de doutorado do laboratório Linc da Unifesp, Adrielle Martins, que esteve diretamente envolvida nas análises dos dados do artigo publicado na Cell como parte de seu projeto.
Coorte Brasileira de Alto Risco para Transtornos Mentais
A Brazilian High-Risk Cohort (BHRC) acompanha, há uma década e meia, 2.500 crianças e adolescentes oriundos de escolas públicas nas cidades de São Paulo e Porto Alegre, juntamente com seus pais e filhos nascidos anos depois do início da pesquisa.
O objetivo do estudo científico é investigar os fatores psicológicos, biológicos e sociais associados à origem dos transtornos mentais e às variações no desenvolvimento cognitivo. No CISM, o projeto recebe o nome de “Conexão Mentes do Futuro“.
O estudo desenvolveu um extenso banco de dados com com centenas de milhares de variáveis, permitindo análises detalhadas e a formulação de novas perguntas em saúde mental, incluindo aspectos relacionados à genética e à estrutura cerebral.
O projeto busca oferecer insights inovadores e, até então, inacessíveis sobre as origens dos transtornos mentais. Confira mais informações nesta matéria.

Parte dos integrantes da Brazilian High-Risk Cohort e membros do CISM (Foto: Divulgação/CISM)
23 de janeiro de 2025
Institucional CISM