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Estudo revela como os maus-tratos na infância afetam região cerebral essencial para a memória, aprendizado e regulação emocional

Estudo revela como os maus-tratos na infância afetam região cerebral essencial para a memória, aprendizado e regulação emocional 1660 872 INPD Cism

A pesquisa científica analisou como os traumas na infância impactam o desenvolvimento estrutural do hipocampo; um artigo científico acaba de ser publicado com os resultados

Um estudo, conduzido por pesquisadores brasileiros com 795 participantes, trouxe à tona como os maus-tratos na infância afetam o desenvolvimento estrutural do cérebro, particularmente do hipocampo, uma região essencial para a memória, aprendizado e regulação emocional. Os resultados da pesquisa acabam de ser publicados em um artigo científico no periódico inglês Psychological Medicine, da Universidade de Cambridge.  

A investigação analisou exames de ressonância magnética dos participantes, entre 6 e 21 anos, em três momentos distintos. O estudo utilizou dados da Brazilian High-Risk Cohort (BHRC), ou Coorte Brasileira de Alto Risco para Transtornos Mentais. O projeto, que é ligado ao Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM), é um dos maiores estudos longitudinais da América Latina sobre o desenvolvimento mental em crianças. 

Os pesquisadores também combinaram autorrelatos e informações fornecidas pelos pais dos participantes para identificar os níveis de exposição ao trauma. A pesquisa científica destacou os impactos persistentes do trauma infantil ao longo da adolescência.

Os cientistas identificaram que altos níveis de exposição ao trauma durante a infância estão associados a uma redução duradoura no volume do hipocampo direito. Esse efeito foi constatado mesmo após o ajuste para outros fatores, como a presença de transtornos mentais, como depressão, e características genéticas que influenciam o volume hipocampal. Já o hipocampo esquerdo mostrou-se menos suscetível a alterações estruturais, indicando diferenças na vulnerabilidade entre os dois lados do cérebro.

O hipocampo desempenha um papel crucial nas funções cognitivas e como o cérebro responde ao estresse. Danos nessa região podem contribuir para problemas emocionais e cognitivos a longo prazo, como dificuldade de aprendizado, aumento na vulnerabilidade ao estresse e maior risco de transtornos, como depressão e ansiedade.

“Percebemos que os maus-tratos infantis desencadeiam alterações significativas no hipocampo direito, que permanecem consistentes ao longo do tempo, mesmo em cenários de melhora clínica ou emocional”, explica a Dra. Victoria Doretto, principal pesquisadora do estudo e psiquiatra colaboradora do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas.

Os pesquisadores também destacaram que os maus-tratos afetam de forma desigual as crianças, dependendo da intensidade e frequência do trauma. 

O artigo, publicado Psychological Medicine, é fruto da tese de doutorado de Victoria, defendida e aprovada em outubro de 2024, sob orientação dos professores Euripedes Constantino Miguel e Pedro Mario Pan, pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Ambos são pesquisadores do CISM – Euripedes é o coordenador do centro, e Pedro coordena o projeto BHRC, também chamado “Conexões Mentes do Futuro”.    

Dra. Victoria Doretto, principal pesquisadora do estudo e psiquiatra colaboradora do IPq (Foto: Arquivo pessoal)

Necessidade de intervenções precoces

Para a psiquiatra Victoria, os resultados da investigação científica reforçam a importância de intervenções precoces, incluindo estratégias de prevenção e tratamento, para minimizar os efeitos negativos do trauma em crianças expostas a maus-tratos. 

“Os achados reforçam a urgência de políticas públicas que promovam ambientes seguros para o desenvolvimento infantil e intervenções que mitiguem os danos causados pelo trauma precoce”, ressalta a pesquisadora. 

O estudo amplia o entendimento sobre os efeitos do trauma infantil, descrevendo os impactos negativos do estresse na saúde mental e no desenvolvimento de jovens.

Ao reforçar a importância de intervenções precoces, a pesquisa ainda abre caminhos para novas investigações que façam avaliações contínuas sobre maus-tratos ao longo do tempo e eliminem possíveis vieses nos relatos fornecidos por pais e participantes.

Quer saber mais? Clique AQUI para ler, na íntegra, o artigo Childhood maltreatment and the structural development of hippocampus across childhood and adolescence.    

Coorte Brasileira de Alto Risco para Transtornos Mentais 

A Brazilian High-Risk Cohort (BHRC) acompanha, há uma década e meia, 2.500 crianças e adolescentes oriundos de escolas públicas nas cidades de São Paulo e Porto Alegre, juntamente com seus pais e filhos nascidos anos depois do início da pesquisa. 

O objetivo do estudo científico é investigar os fatores psicológicos, biológicos e sociais associados à origem dos transtornos mentais e às variações no desenvolvimento cognitivo. No CISM, o projeto recebe o nome de “Conexão Mentes do Futuro.  

O estudo desenvolveu um extenso banco de dados com com centenas de milhares de variáveis, permitindo análises detalhadas e a formulação de novas perguntas em saúde mental, incluindo aspectos relacionados à genética e à estrutura cerebral. 

O projeto busca oferecer insights inovadores e, até então, inacessíveis sobre as origens dos transtornos mentais. Saiba mais nesta matéria publicada no site do CISM.

O CISM

O Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM) atua com o propósito de avançar e disseminar o conhecimento sobre saúde mental no Brasil a partir de intervenções inovadoras que melhoram o bem-estar das comunidades.

O CISM reúne um amplo número de pesquisadores, entre estudantes e professores de diversas universidades nacionais e internacionais, numa troca constante de informação.

Entre sua ações, o grupo investiga os fatores genéticos e ambientais dos transtornos mentais em crianças e adolescentes, trabalha para implementar novas intervenções eficazes na prática clínica por meio da transferência de conhecimento e tecnologia em saúde mental para a sociedade e, ainda, incentiva o empreendedorismo social através do desenvolvimento de soluções digitais inovadoras para o cuidado da saúde mental.

Todas as iniciativas do Centro de Pesquisa só são possíveis graças ao apoio de seus financiadores, que incluem a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o Banco Industrial do Brasil (BIB). O CISM conta, ainda, com a parceria dos centros universitários de Jaguariúna (UniFAJ) e Max Planck (UniMAX).

Além disso, atuam no projeto pesquisadores e docentes da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Estado de São Paulo (UNIFESP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).


28 de janeiro de 2025 

Institucional CISM