Ciência e Sociedade
Notícias

Desejar recompensas a curto prazo pode indicar transtornos?

Desejar recompensas a curto prazo pode indicar transtornos? 1280 913 INPD Cism

Estudo conduzido por pesquisadora não encontra associação entre escolha impulsiva e psicopatologia

Você já ouviu falar no “experimento do marshmallow”, que analisa ações impulsivas versus autocontrole? Então, preferir esperar para comer dois marshmallows, em vez de comer um imediatamente, pode não fazer a menor diferença na sua vida, de acordo com os resultados de uma pesquisa científica que teve artigo publicado recentemente. 

Na psiquiatria, existe um teste com ideias semelhantes ao “experimento do marshmallow” que busca avaliar comportamentos impulsivos. É o chamado choice delay task (CDT), ou “tarefa de atraso de escolha”, em livre tradução ao português. 

A pesquisadora Patrícia Pinheiro Bado conduziu um estudo para investigar se esse método pode ser utilizado como marcador do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e se diferentes respostas a ele predizem ou não psicopatologias. 

O estudo foi desenvolvido a partir de uma amostra de 1.917 crianças e adolescentes brasileiros, incluindo participantes com maior suscetibilidade a problemas psiquiátricos, portadores do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade ou com outras doenças psiquiátricas, além de grupos em desenvolvimento típico, ou seja, sem transtornos.

A pesquisadora aplicou o método para medir a frequência com que as crianças escolhiam recompensas “maiores e atrasadas” versus “menores e imediatas”. Após os testes, foi comparado o comportamento dos participantes com TDAH e os neurotípicos e, então, avaliados os riscos psiquiátricos e os resultados funcionais de cada um dos grupos. 

O estudo teve como objetivo investigar se a preferência das crianças por “maiores recompensas atrasadas”, segundo o choice delay task, poderia ser associada a transtornos psiquiátricos e resultados funcionais a longo prazo, incluindo desempenho acadêmico, uso de álcool, gravidez precoce, condenação criminal e índice de massa corporal (IMC).

Análises

Voltando ao impulso por comer um marshmallow, resistir à tentação significa alguma coisa em termos psiquiátricos? Muitos artigos já afirmaram que o desejo por recompensas imediatas poderia ser um fator preditivo para condições de transtornos como TDAH, mas as investigações feitas pela pesquisadora brasileira não confirmaram a hipótese. 

Os resultados mostraram que crianças com TDAH e outras sem transtornos tiveram desempenhos semelhantes no teste choice delay task. Como conclusão, a pesquisadora percebeu que o desempenho inicial dos grupos, segundo o método, não foi capaz de relacionar os resultados a condições psiquiátricas ou impactos de vida a longo prazo.

“É incrível o quanto essa ideia de ‘atraso de gratificação’ ficou influente a partir desse estudo do marshmallow”, comenta Patrícia. “O principal achado [de sua pesquisa], além de questionar a choice delay task como marcador de TDAH, é questionar a própria ideia de que atraso de gratificação prediz psicopatologia, desempenho cognitivo e bons desfechos de vida de modo geral”, acrescenta sobre as conclusões de sua investigação.

O estudo realizado por Patrícia foi o maior longitudinal feito até agora e não encontrou evidência do que antes havia sido apontado pelo “experimento do marshmallow”.

“Os resultados questionam a utilidade da CDT em populações diversas e se a preferência por recompensas maiores e atrasadas é realmente preditiva de resultados positivos a longo prazo”, afirma a pesquisadora na conclusão da pesquisa.  

Ou seja, se você não segura o impulso mesmo em troca de uma recompensa maior, segundo o grupo de psiquiatras, isso não é suficiente para apontar psicopatologias.

Entre os autores do artigo são citados Euripedes Constantino Miguel e Luis Augusto Rohde, respectivamente diretor e vice-diretor do Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM), além de Giovanni Abrahão Salum e Pedro Mário Pan, também do CISM.

Gostou do estudo? Quer saber mais? Acesse o artigo na PubMed.

25 de julho de 2024

Institucional CISM